De repente, você saiu dos trinta e entrou finalmente nos "enta", quarenta, cinquenta, sessenta e aí não tem mais fim.
As pessoas começam a chamar-nos educadamente de senhora, senhor, e a gente ainda teima em olhar para o lado, sem se dar conta de que este "ser" está se dirigindo é a nós mesmos. No começo, é esquisito mesmo.
Depois você se acostuma, soa até normal. Os adolescentes, não sei por quê, chamam todo mundo de "tia", "tio". Quem disse a eles que existe algum parentesco entre nós???
O tal do botox começa a fazer sentido, e o espelho dos elevadores começa a parecer muito cruel. O braço encurta, todas as letras parecem diminuir e, mesmo relutando um pouco, os óculos serão como uma parte de você.
Aquela camiseta lavada, cara lavada, calça lavada, chinelo e um rabo de cavalo podem ficar perigosos.
Quando fiz 40, pra falar a verdade, nem liguei, nunca achei que fosse sentir essas coisas. Mas acontece que quando digo quarenta, quero dizer a partir de, e não que seja exatamente um marco pra que as coisas sejam sentidas todas juntas. Comecei a perceber alguns sintomas só aos quarenta e cinco, antes disso, foi como se eu não compartilhasse desse universo, parece que o efeito foi de certa forma meio retardado, sei lá.
É engraçadíssimo perceber que algumas pessoas ficaram paradas em suas épocas áureas e nunca mais saíram delas. Tenho amigos que se vestem como se fossem assistir à "Janis Joplin" no "Woodstock", e, mesmo com muitos fios de cabelos brancos arrepiados ao vento, sentem-se como jovens, usando tamancos e bolsas a tiracolo.
Há outras tribos muito curiosas, como os amantes da "Harley Davidson". Ah, esses também acreditam que o tempo não passou, e pronto, lá estão eles com jaquetas calorentas de couro e muitos acessórios, todos combinando com suas motos.
Também há o tipo "Garota de Ipanema", que continua com aquele cabelão amarelo, sempre com roupas apertadíssimas, suando em câmaras de bronzeamento artificial, tudo pra não perder o jeitinho de menina, meio gatinha. Já a versão masculina é o autêntico surfista, que, depois de anos, continua também loiro parafinado e, acredite, usando camisa florida. As gírias continuam as mesmas, ninguém consegue entendê-los, mas quem se importa, não é mesmo?
Só que tem o lado bacana de tudo isso, que se chama "amadurecimento", aquela coisa que faz ter mais jogo de cintura, mais calma, mais sabedoria, mais pessoas sinceras por perto e uma facilidade deliciosa de fazer o que gosta sem se importar com ninguém. Cada ruga no rosto é a marca de um pedacinho da vida, de alegrias e tristezas, mas de uma história, da história que escolhemos pra viver. Somos nós quem decidimos como vamos encarar o mundo, gente chata fica feia e velha, gente leve e feliz fica bonita sempre. Uma beleza que pode iluminar as pessoas que convivem com você.
Lógico que virão momentos de reflexão, quando paramos pra repensar as nossas escolhas, ou pensar em coisas que poderíamos ter feito, chegamos, no mínimo, à metade da vida, o que não é pouco. Bobagens, quem não fez um monte? E daí? Já foi!
Faça projetos, mude tudo de lugar, jogue um monte de coisas velhas fora, tenha momentos de prazer, coma muito chocolate, saia bastante e, de vez em quando, passe o dia de pijama, esparramado na cama... Abrace um novo amor, compre um cachorro, solte sua alma pra um novo dia, seja feliz.
Quando olho pra frente e penso em tantas coisas que posso fazer,conhecer, sem medo de nada, sem cobranças, prazos, é tudo muito tranquilo. Não existe necessidade da perfeição, do belo ou do plástico. Só do verdadeiro, da essência, do importante.
Então, que venham os cinquenta, os sessenta, os setenta e tudo que essa vida insana e maravilhosa reserva pra nós.
Marta Haddad
Marta Haddad é odontopediatra, colunista e mãe, não necessariamente nesta ordem
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